segunda-feira, 8 de março de 2010

A resistência escrava e o seu papel na abolição da escravidão

Resenha do Livro: PIÑEIRO, Théo Lobarinhas. Crise e resistência no escravismo colonial: os últimos anos da escravidão na província do Rio de Janeiro. Passo Fundo, UPF, 2002.


Publicado pela editora da Universidade de Passo Fundo, a coleção Malungo reúne uma série de obras com o objetivo de redimensionar a participação do cativo do século XIX.

Sob essa ótica foi lançado Crise e resistência no escravismo colonial: os últimos anos da escravidão na província do Rio de Janeiro, dissertação de mestrado do doutor Théo Lobarinhas Piñeiro. Esta obra foi um grande marco na historiografia brasileira acerca do tema, pois ela superou uma visão do escravo como agente passivo da história e ao mesmo tempo rompe com o modelo em todo escravo era visto como um herói.

Outro fator que torna essa obra muito interessante foi que ela foi escrita a partir da segunda metade da década de oitenta, ou seja, um momento em não se tinha a noção da crise que enfrentava os países do leste europeu, portanto, acreditava-se que a União Soviética superar os problemas gerados pela guerra fria.

Porém, não foi isso que aconteceu e através do conceito de fim da história, a idéia de vitória do capitalismo foi difundida e o conceito de luta de classes aos poucos foi sendo esquecido.

Nesse sentido, é de grande relevância a publicação dessa obra, principalmente doze anos depois, pois ela aborda a resistência escrava sob uma ótica de luta inserida no conceito de luta de classes como um dos fatores que estruturaram a sociedade escravista.

Iniciando com um belo prefácio do doutor Mario Maestri, onde ele destaca o momento histórico em que a obra foi apresentada e a posterior depressão acerca desse campo de trabalho. Assim, segundo o autor, Crise e resistência no escravismo colonial e a sua publicação doze anos depois é a prova da vitalidade desses estudos, mesmo após a idéia criada acerca do triunfo do capitalismo.

Na parte introdutória da obra, o autor esclarece algumas visões acerca do tema e já aponta sob a ótica o tema será abordado.

Superando a tendência de ver a abolição da escravatura como um negócio de brancos ou apenas ligados ao desenvolvimento do capitalismo internacional, o autor irá analisar a crise do escravismo como algo estrutural, isto é, sua própria dinâmica levaria a sua crise, mas acreditando que o papel do cativo deve ser considerado nesse processo. Portanto, o objetivo principal dessa obra é analisar o impacto que a resistência escrava teve para o fim da escravidão.

No primeiro capitulo, o autor inicia um debate historiográfico acerca dos escravos enquanto agente histórico na sociedade em que estava inserido. Alguns olhares são postos em evidência sobre o tema. Dos autores que destacam a luta escrava e sua participação no processo de extinção da escravidão, o autor destacou os trabalhos Caio Prado Jr., Robert Conrad, Emilia Viotti e Lana Lage da Gama Lima. Sobre a ideologia das lutas escravas destacam-se os trabalhos de Eugene Genovese e Jacob Gorender.

Apoiado, principalmente, nos trabalhos de Ciro Cardoso e Jacob Gorender, o autor propõe uma abordagem que analise a estrutura e a dinâmica da sociedade para um melhor entendimento da relação entre a luta escrava e o fim da escravidão. Nesse sentido, entende-se que a resistência se faz cotidianamente e que ela é fruto da contradição das relações sociais.

No capitulo 2, as condições materiais da reprodução escravista colonial (perspectivas e limites), o autor analisa a manutenção da exploração do trabalho escravo através da rentabilidade da empresa escravista. Para isso, ele faz uma comparação do lucro vindo do café e os gastos com suprimento e mão-de-obra.

Desse modo, o estudo proposto é especificamente verificar o peso da resistência escrava na crise do modo de produção escravista colonial. Para essa análise, o autor usa o conceito de reprodução extensiva, para dar conta ligação entre a produção escravista e o capital comercial.

Desmistificando a idéia de incompatibilidade do escravismo com o avanço técnico, o autor vai analisar mais detalhadamente a rentabilidade da empresa escravista, baseado nos elementos da plantation, estabelecendo uma relação entre o preço do escravo, o preço do café, e os custos com a manutenção e controle. Desse modo, o autor aponta para a incorporação de cada vez mais escravos como principal fator para a reprodução do sistema.

Já no terceiro capítulo, o autor irá analisar a reprodução das relações sociais de produção. Tendo como ponto central a relação senhor / escravo, mas também não deixando de lado outros instrumentos que asseguravam a submissão do cativo. Assim, o autor investigou o corte no fornecimento de escravos no pós 1850, o que gerou um forte tráfico interprovincial, conseqüentemente o aumento da comunicação entre cativos, levanto o aparelho de repressão a reconstruir todo o aparato jurídico – político.

No interior da empresa escravista, é a relação senhor / escravo que irá exercer o papel principal na manutenção da estrutura de dominação. Três elementos são fundamentais na manutenção dessa estrutura: violência, controle e paternalismo. Elementos que sofrem desdobramentos conforme cada caso.

A violência é apresentada sob dois pontos de vista. Um aspecto econômico ligado à disciplina de trabalho e como um instrumento que empeça qualquer tentativa de liberdade do cativo. O paternalismo segue esta linha de pensamento, onde ele está ligado à tentativa de legitimar o trabalho forçado.

O autor nos apresenta idéia de controle sob dois aspectos. Um ligado ao interior da empresa escravista e outro externo, ligado à ordem pública.

Sob essa ótica, a vigilância é compreendida como uma série de instrumentos que tem o objetivo de exercer o controle do escravo no interior da fazenda. Assim, a brecha camponesa teve um importante papel nesse processo. Segundo o autor, esses lotes autônomos dos escravos criavam a ilusão de propriedade e ao mesmo tempo era um fator de distração.

Para manter um certo controle social, ou seja, uma certa ordem pública, era necessário organizar uma série de aparelhos coercitivos para reprimir qualquer tentativa de reação. Portanto, fazem parte de todo esse arcabouço a legislação, a força policial e a alforria.

Após uma discussão sobre a aplicabilidade da legislação, o autor chega à conclusão que o objetivo maior da lei era conter as fugas, que ocorriam com uma intensidade cada vez maior, com isso, chega-se a idéias de esgotamento dos mecanismos tradicionais de controle. Assim, a força policial teve seus níveis de atuação cada vez mais ampliados, sendo instrumento de manutenção da ordem escravista.

Como a perspectiva de ser escravo não pode ser absoluta, o senhor também usava a alforria como instrumento de controle social. Assim, a alforria é antes de tudo, uma afirmação do poder do senhor sobre o escravo e, portanto, um freio à resistência.

No quarto capítulo o autor nos apresenta a resistência escrava e as diversas formas em que ela ocorria, ou seja, os variados modos em que os escravos reagiam à dominação.

Inserido na perspectiva da luta de classes, o autor configurou toda reação ao esquema de dominação à resistência, seja ela passiva como nos atrasos intencionais ou nas trágicas como nos casos de suicídio.

O furto também foi considerado uma forma de resistência, haja vista que os proprietários eram obrigados a aumentar os gastos referentes à vigilância. Os quilombos representavam uma importante forma de resistência, pois através desta unidade criava –se uma ampla rede social objetivando sua própria manutenção. O autor ainda nos mostra que os atentados efetuados por escravos e as suas revoltas levavam grande terror aos moradores, por isso, também constituíam uma forma de resistência. Porém, segundo o autor, a fuga foi a maneira mais comum de resistência escrava.

Enfim, segundo o autor, todas as formas de resistência escrava somadas ao aumento com os custos de vigilância e controle contribuíram de forma decisiva para a mudança de postura dos senhores frente aos cativos. Assim, a alforria foi a melhor forma encontrada para garantir o trabalho nas fazendas.

Como toda obra é fruto do seu tempo, esta não foge a regra, ela carrega consigo um modo pensar e escrever dos historiadores de sua época e quando são lidas alguns anos depois levam uma profunda reflexão acerca de algumas questões discutidas na época e que agora parecem ter sumido do campo historiográfico. É nesse sentido que a leitura de Crise e resistência no escravismo colonial torna-se importante.

Mesmo em uma sociedade pré – capitalista Théo Lobarinhas Piñeiro usou brilhantemente o conceito de luta de classes como o motor da história. Enfim, uma interessante análise marxista onde o Estado tem a participação ativa, tentando a todo o momento legitimar seu aparelho repressivo e utilizando uma formula que já se tornou clássica, isto é, o poder organizado de uma classe para oprimir a outra.





Nenhum comentário:

Postar um comentário