A praça mercantil do Rio de Janeiro e as Conexões Intra – Imperiais do Complexo Ultramarino português .
Resenha do Livro: O Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI – XVIII).
O livro “O antigo regime nos trópicos: A dinâmica imperial portuguesa.”entra na lista das grandes obras coletivas que inovaram a pesquisa historiográfica sobre o sistema colonial. Os autores deram uma excelente contribuição para a construção de uma historiografia que revisita as relações império – metrópole nos séculos XVI, XVII e XVIII.
Iniciando com o belo prefácio do historiador A.J.R Russell Wood, onde este brasilianista, autor de, entre outros trabalhos, Escravos Libertos no Brasil Colonial, destaca a importância de se recorrer às fontes depositadas na África, Europa e Américas para se entender a dinâmica imperial portuguesa e suas conexões entre as colônias. Russell Wood destaca ainda a importância atribuída pelos historiadores do Brasil à documentação municipal e regional, o que gera uma diversidade de temas até então nunca vistos.
Na primeira parte dos artigos, As conjunturas do Mare Lusitano, João Fragoso, Antonio Carlos Jucá e Helen Osório escrevem sobre a formação e as inter – relações da praça do Rio de Janeiro com o império Ultramarino.
João Fragoso trata especificamente no primeiro capítulo da formação da primeira elite senhorial no Rio de Janeiro, grupo conhecido como os melhores da terra. O autor desenvolve sua tese tendo como fulcro principal a chamada economia do bem comum, onde as alianças familiares somadas à distribuição de mercês e privilégios concedidos pela câmara deram uma contribuição decisiva para a formação dos primeiros grupos da elite colonial do Rio de Janeiro.
No capítulo 2, Antonio Carlos Jucá de Sampaio trata da atuação dos homens de negócio na praça do Rio de Janeiro.
O autor cita as dízimas da alfândega e mostra o papel fundamental que tinha o Rio de Janeiro para a economia da metrópole do século XVIII no que diz respeito a transição da produção aurífera das Minas Gerais.
Segundo o autor, essa transformação econômica da cidade do Rio de Janeiro foi o principal fator gerador de uma maior autonomia da elite ligada a economia mercantil, a qual a elite lisboeta era incapaz de subordinar, e assim, ele demonstra uma rede bem estruturada, semelhante ao modelo europeu.
No que é concernente a mentalidade econômica dessa elite, o autor nota um caráter conservador em relação aos investimentos dos seus recursos, onde a arrematação de contratos e o empréstimo de dinheiro eram as mais importantes fontes de acumulação de capital.
Um exemplo mais específico sobre a arrematação dos contratos reais está no terceiro capítulo, onde Helen Osório tenta desvendar as conexões econômicas existentes entre a praça do Rio de Janeiro e o Rio Grande. Analisando alguns contratos tributários e de fornecimento de mercadorias, ela nota uma presença maciça dos homens de grosso trato do Rio de Janeiro na arrematação dos contratos e que tal fato deveu-se a capacidade de mobilização de altos recursos financeiros por parte dos homens de negócio do Rio de Janeiro.
Na segunda parte, poderes e hierarquias no ultramar, o livro irá tratar da constituição e legitimação do império português onde os autores Hebe Maria Mattos, Antonio Manuel Hespanha e Maria Fernanda Bicalho irão abordar temas relacionados à escravidão, a política imperial e o papel das câmaras na dinâmica institucional portuguesa.
O capítulo 4 é um belo artigo da autora Hebe Maria Mattos, onde seguirá o caminho inverso da historiografia tradicional para organizar seu texto sobre a escravidão nos quadros do império português. O artigo deixa claro que em uma sociedade profundamente estamental, a escravidão irá somar-se a constituição da sociedade colonial como mais uma das formas de hierarquização de sociedade típica do antigo regime. Assim, o cativeiro torna-se uma das formas de incorporação ao império português e conseqüentemente ao catolicismo, livrando o cativo de sua condição pagã.
No quinto capítulo, A constituição do império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes, António Manuel Hespanha desmistifica a idéia de centralidade do império português afirmando que algumas colônias viveram em estado de quase total autonomia até o século XIX e que a construção do imaginário sobre a um poder reinol central satisfaz tanto os interesses do colonizador quanto das elites coloniais. Decorrendo sobre o assunto o autor cita a falta de um modelo ou estratégia para expansão portuguesa como por exemplo uma constituição colonial unificada gerando uma heterogeneidade de estatutos políticos coloniais e por isso, a não uniformidade de aplicação das leis, exceto quando os valores eram de foro religioso.
No excelente capítulo 6, As câmaras ultramarinas e o governo do império, a autora Maria Fernanda Bicalho inicia seu artigo descrevendo o papel das câmaras de modo superficial e aos poucos aprofundando no assunto, fazendo o leitor perceber a diversidade de tratamento que a coroa dava as câmaras espalhadas pelo império e até mesmo a forma própria que cada uma delas tomavam ao longo de sua história para conseguir manter um certo equilíbrio diante das conjunturas econômicas, sociais e políticas.
Como foi bem salientado pela autora, os cargos camarários eram motivo de disputa entre os grupos influentes, pois era esse o grupo que negociava com a coroa, além de dar acesso aos instrumentos que poderiam enobrecer os colonos. Nessa perspectiva a autora nos dá a entender podemos estabelecer uma relação entre as câmaras ultramarinas e o governo do império no sentido de as câmaras serem a afirmação do vínculo político entre os vassalos ultramarinos e o soberano português.
A questão da expansão do catolicismo e a governabilidade do império estão presentes na terceira parte do livro, As geografias políticas do império.
Ronald Raminelli é o autor do capítulo 7, Império da fé: ensaio sobre os portugueses no Congo, Brasil e Japão. Nele o autor escreve sobre o imaginário português acerca da difusão da religião católica pelo império Ultramarino, assim como a forma sincrética tomada por ela, gerada pela diversidade de ritos professados em todo o império.
Já o capítulo 8 trata da forma como eram escolhidos os vice – reis e governadores – gerais nos séculos XVII e XVIII. Neste brilhante artigo, Nuno Gonçalo Monteiro destaca a criação do conselho Ultramarino como de relevante importância para a administração colonial e conseqüentemente a escolha de seus governantes. Ao enfatizar a questão da escolha dos governantes, o autor salienta o modo distinto de como eram escolhidos os governadores da Índia e do Brasil. Ambos os cargos eram restritos a membros da primeira nobreza da corte, mas no caso da Índia, quase sempre prevalecia aquele fidalgo com uma certa experiência militar, enquanto no Brasil, na maioria das vezes, era escolhido um fidalgo com mais experiência administrativa. Ainda vale destacar que a nomeação para os governos foi uma das principais formas para a composição de membros da elite titular do reino.
Melhor viabilização da estrutura de governo imperial organizada através de uma economia política de privilégios é o tema principal do artigo do capítulo 9 de Maria de Fátima Silva Gouveia, Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645 – 1808). Diferente da maioria das aristocracias européias, formada por nobres ligados a propriedade da terra, a nobreza portuguesa era mais burocrática, ou seja, mais dependente de cargos públicos e, conseqüentemente, a distribuição de mercês foi um importante instrumento usado pelo império para fortalecer os laços de vassalagem tanto reinóis quanto ultramarinos. A autora enfatiza a transferência de aparatos jurídicos e administrativos para as colônias objetivando dar maior governabilidade ao império em expansão.
A quarta parte irá discutir as inter-relações entre as províncias do Ultramar. Iremos perceber o papel relevante da praça mercantil do Rio de Janeiro na questão política - econômica do império português.
Estabelecendo uma conexão entre os capítulos do livro – principalmente os capítulos 2 e 3 com a quarta parte – A formação da economia colonial tardia no Rio de Janeiro e as conexões econômicas do império português: 1790 – 1820, João Fragoso escreve brilhantemente sobre a principal praça do ultramar, ou seja, o Rio de Janeiro e o crescimento econômico do reino. Vale ainda destacar a noção de economia colonial tardia, entre meados dos setecentos e início dos oitocentos, onde ocorreu uma grande produção aurífera. Posteriormente seu declínio, seguida do retorno a agricultura de exportação.
No capitulo 11, Dinâmica do comercio intracolonial: Geribitas, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano, Roquinaldo Ferreira irá investigar a dinâmica econômica do tráfico de cativos entre as colônias portuguesas, dando ênfase ao comércio intracolonial Rio de Janeiro / Angola e Salvador / Costa da Mina.
No ultimo capítulo Luis Frederico Dias Antunes escreve sobre os negócios em Goa, fazendo uma relação com as navegações intracoloniais dando privilégio às relações econômicas, e assim, inserindo todo o perfil econômico ao processo que irá influenciar na emancipação da América portuguesa.
Inserido dentro de uma perspectiva historiográfica iniciada ainda nos anos setenta sobre o estudo do império Ultramarino, O antigo regime nos trópicos: A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII) é uma obra fruto do seu tempo, onde não há espaço para as relações dicotômicas império / metrópole. Uma outra dimensão dada por essa nova historiografia é o relevante valor dado às fontes espalhadas por todo o Ultramar para chegar ao fulcro principal de toda a dinâmica imperial.
Apesar de um leitor mais atento notar a falta de um capítulo sobre Minas Gerais no século XVIII, este é um excelente livro onde os artigos tecem uma base que forma ótima solidez dos assuntos que o livro se propõe a abordar, privilegiando as elites da praça mercantil do Rio de Janeiro e as conexões estabelecidas pelos seus homens de negócio por todo o Ultramar.
fonte:
FRAGOSO, João, GOUVÊA, Maria de Fátima e Bicalho, Maria Fernanda (orgs) – O Antigo Regime nos Trópicos. A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI – XVIII), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.
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